sábado, 26 de outubro de 2013

Conversa com o professor Pier

'Ninguém incentiva o aluno a estudar'


Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
Professor há 47 anos, Pierluigi Piazzi, 66, é crítico ferrenho do sistema de ensino brasileiro. Nasceu na Bologna, Itália, chegando ao Brasil em 1954. Nessa época, já havia lido pelo menos 100 livros de ficção científica, todas as obras de Shakespeare, as comédias de Molière, a Ilíada e a Odisséia. Integrante da Mensa, maior e mais antiga associação internacional de pessoas com alto Q.I. (Quociente de Inteligência), desde 1980, já preparou cerca de 100 mil alunos em cursinhos pré-vestibulares. Há 10 anos, realiza palestras em todo o País para pais, alunos e professores com o objetivo de divulgar a neuropedagogia.
Para ele, inteligência e talento se aprendem. "As pessoas têm o péssimo hábito de colocar uma etiqueta dizendo eu sou capaz de fazer isso e não sou capaz de fazer aquilo." Autor dos livros Aprendendo Inteligência, Estimulando Inteligência e Ensinando Inteligência, no dia 24 fará palestra gratuita no Senai Almirante Tamandaré, em São Bernardo.
DIÁRIO -  Qual a opinião do senhor sobre o novo Enem?
PIERLUIGI PIAZZI - Há uma diferença gigantesca entre exame e concurso. A função do exame é medir o grau de conhecimento do examinando. A função do concurso é discriminar candidatos, selecionar. Até o ano passado o que era o Enem? Um exame. Agora, transformaram-no em concurso. Ele decide se alguém consegue vaga em faculdade de medicina. O que vai acontecer, vão ter faculdades federais de medicina que terão 40 vagas e 300 candidatos que atingiram a nota máxima. E agora?
DIÁRIO - E quanto ao vazamento da prova?
PIAZZI - É óbvio. O processo de impressão e de distribuição disso tem mais vazamento que uma peneira.
DIÁRIO -  O ensino brasileiro está muito atrasado?
PIAZZI - Em 2003 foi feito um exame envolvendo 41 países. Só ficamos acima da Tunísia. Quer coisa mais absurda do que escola publicar calendário de provas? É o mesmo que estar falando: ‘Para que estudar todo dia? Só na hora da prova você dá uma rachadinha, tira nota e esquece tudo para não abarrotar o cérebro.'
DIÁRIO - A escola incentiva o aluno a tirar nota e não a obter conhecimento?
PIAZZI - Exatamente. E os pais querem que o filho passe de ano, tire nota. Ao invés da nota ser consequência do processo, virou objetivo.
DIÁRIO - O que acontecerá com o ensino brasileiro?
PIAZZI - Se continuar essa demagogia que sobrepõem as vontades eleitorais ao processo técnico, acabou. O ensino brasileiro vai ser destruído. Nós já somos um País de analfabetos funcionais; seremos um País de analfabetos reais. Sempre falo que as horas de estudo são mais importantes que as horas de aula. Ninguém incentiva o aluno a estudar. Agora, o Ministério da Educação resolveu mudar o Ensino Médio. O que fizeram? Aumentar as horas-aula ao invés de aumentar as horas de estudo.
DIÁRIO - O que falta para o ensino brasileiro atingir níveis aceitáveis de qualidade?
PIAZZI - Da noite para o dia poderíamos atingir níveis de qualidade fantásticos. Bastava mudar três coisas: primeiro, restaurar a autoridade do professor; depois, criar um mecanismo de não existir uma aula sequer que não tenha uma tarefa a ser executada depois; o terceiro é reformular a técnica de se ensinar Literatura. O Brasil tem milhões de alunos, mas pouquíssimos estudantes. Na hora em que o Ministério da Educação perceber que o único truque é transformar aluno em estudante, vai resolver. Porque aluno é quem assiste aula, estudante é alguém que estuda.
DIÁRIO - Por que existem tantas disparidades entre ensinos Fundamental e Médio públicos e a universidade pública?
PIAZZI - As universidades públicas também são ruins. Elas só são melhores do que as particulares porque, como são gratuitas, há seleção na entrada.
DIÁRIO - O que o senhor aborda em suas palestras?
PIAZZI - Mostro que a componente genética da inteligência é quase irrelevante. Qualquer um que tenha cérebro saudável tem condições de se tornar mais inteligente.
DIÁRIO - Como é possível ficar mais inteligente?
PIAZZI - São cinco passos. O primeiro é acreditar que é possível. O segundo é evitar as coisas que fazem abaixar o Q.I. - drogas lícitas e ilícitas e excesso de tecnologia. O terceiro é estudar pouco, mas todo dia, para fixar o que foi visto. O quarto passo é, se tiver um jeito fácil e um difícil, fazer o difícil; o cérebro precisa fazer musculação. E o quinto é ler muito.
DIÁRIO - Por que temos a ideia de que pessoas nascem com determinados talentos?
PIAZZI - A modelagem do cérebro humano começa no útero. Como os reflexos disso são muito precoces, as pessoas têm a sensação de que é genético, quando na realidade é ambiental. No século 19, uma família alemã tinha dois filhos. Um era bem-dotado musicalmente, o outro, uma nulidade musical. O bem-dotado foi para o conservatório, a nulidade foi para a faculdade de Direito. Anos depois, o músico morreu. A vontade da família em ter um músico era tão grande que o que estava fazendo Direito abandonou a faculdade, entrou no conservatório e se tornou um dos maiores compositores, Richard Wagner. As pessoas têm o péssimo hábito de colocar uma etiqueta: ‘sou capaz de fazer isso e não sou capaz de fazer aquilo.'

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