segunda-feira, 18 de abril de 2011

Homossexualidade e preconceitos

Regina Navarro Lins fala sobre relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo
Paulo, 34 anos, me procurou no consultório, desejando começar uma terapia. “Não sei mais o que faço. Já tentei, mas não tenho tesão por mulher alguma. Isso me acompanha desde a adolescência. Nunca tive coragem de transar com homem; não aceito a homossexualidade e não quero ser gay! Há épocas em que fico deprimido, com uma profunda insatisfação. O problema é que as pessoas percebem e, muitas vezes, sou alvo de preconceitos. Tenho até medo de perder o emprego. Na prática, vivo como se sexo não existisse, mas isso está me torturando.”
Parece mentira, mas a homossexualidade provoca preconceito e ódio. Uma pesquisa sobre violência no estado de Nova York, Estados Unidos, concluiu que, entre todos os grupos minoritários, os homossexuais eram objeto de maior hostilidade. Além dos insultos habituais, os ataques físicos são mais do que comuns. E o pior pode acontecer quando esse ódio é incorporado aos programas de governo, como foi demonstrado pela imprensa americana, na década de 90, numa matéria sobre como o Irã “celebrou o Ano-Novo”: três homossexuais foram decapitados publicamente, e duas mulheres acusadas de lesbianismo foram apedrejadas até a morte — execuções que não raro duram várias horas, já que segundo a lei iraniana têm de ser com “pedras pequenas o suficiente para não matarem a pessoa instantaneamente”.
Originalmente, a homossexualidade foi uma força conservadora, fortalecendo instituições estabelecidas, sendo tanto um ritual quanto fonte de prazer. Na Grécia clássica (século V a.C.), a homossexualidade era uma instituição e os gregos não se preocupavam em julgá-la. Em algumas cidades gregas, a homossexualidade aparece como uma prática necessária dos ritos de passagem da juventude cívica, num quadro regido pelas leis, mas se relacionando estreitamente com a masculinidade.
Nos séculos XII e XIII, entretanto, começou na Europa uma repressão maciça da homossexualidade, como parte de uma campanha contra heresias de toda natureza, que evoluiu até o terror da Inquisição. Por conta das perseguições, ela se tornou perigosa e clandestina. No século XIX, a atividade homossexual deixou de ser classificada como pecado e passou a ser considerada doença. O tabu contra ela só diminuiu com o surgimento dos anticoncepcionais, na década de 1960. A dissociação entre o ato sexual e a reprodução, possibilitou aos homossexuais sair da clandestinidade, na medida em que as práticas homo e hetero, ambas visando ao prazer, se aproximaram.
Apesar de hoje a homossexualidade não ser mais considerada doença, a discriminação continua, sendo os gays hostilizados e agredidos. A homofobia deriva de um tipo de pensamento que equipara diferença a inferioridade. E quem são os homofóbicos? Alguns estudos indicam que são pessoas conservadoras, rígidas, favoráveis à manutenção dos papéis sexuais tradicionais. Quando se considera, por exemplo, que um homem homossexual não é homem, fica clara a tentativa de preservação dos estereótipos masculinos e femininos, típicos das sociedades de dominação que temem a igualdade entre os sexos.
A homofobia reforça a frágil heterossexualidade de muitos homens. Ela é, então, um mecanismo de defesa psíquica, uma estratégia para evitar o reconhecimento de uma parte inaceitável de si. Dirigir a própria agressividade contra os homossexuais é um modo de exteriorizar o conflito e torná-lo suportável. E pode ter também uma função social: um heterossexual exprime seus preconceitos contra os gays para ganhar a aprovação dos outros e assim aumentar a confiança em si mesmo.
Por mais que se denuncie o absurdo que o ódio e a frequente agressão aos gays representam, a homofobia não deixará de existir num passe de mágica. Seu fim depende da queda dos valores patriarcais que, já em curso, vem trazendo nova reflexão sobre o amor e a sexualidade. Caminhamos para uma sociedade de parceria, e se nela o desejo de adquirir poder sobre os outros não for preponderante, a homossexualidade deixará de ser tratada como anomalia, passando a ser aceita simplesmente como uma diferença.

Há algum tempo, entrevistei Cláudio Nascimento e Luiz Mott, ambos ativistas GLBT. Cláudio vive no Rio de Janeiro e foi presidente do Grupo Arco Íris de Conscientização Homossexual. Luiz Mott é antropólogo, professor universitário e escritor. Vive em Salvador, onde fundou o Grupo Gay da Bahia:

Regina Navarro Lins: A quantas anda o preconceito e a discriminação contra a homossexualidade?
Cláudio Nascimento: Apesar das várias conquistas que tivemos, ainda vivemos num ambiente hostil, onde gays, lésbicas e travestis são privados de ter uma cidadania plena. Há muitos profissionais que são preteridos por conta de sua sexualidade. Isso sem falar nos muitos homossexuais assassinados no Brasil.

Luiz Mott: O Brasil é o campeão mundial em assassinatos de homossexuais! Muitos são barbaramente assassinados, vítima da homofobia.
Regina Navarro Lins: É difícil ser homossexual?
Cláudio Nascimento: 
Até os 18 anos eu era considerado o filho exemplar. Sentia desejo por homem, mas não aceitava, me reprimia. Foi quando tive a primeira experiência homossexual. Foi o momento mais feliz da minha vida, porque me senti pleno, uma pessoa por inteiro. Duas semanas depois fiquei muito mal, sentia culpa, medo de perder a família, os amigos, de ficar isolado. Aí tentei suicídio. Contei tudo para a família e fui expulso de casa. Foi muito difícil, sem lugar pra morar, sem trabalho... Depois de um ano consegui estruturar minha vida e me tornei ativista gay.
Regina Navarro Lins: O que os homossexuais podem fazer para viver melhor numa sociedade tão preconceituosa?
Luiz Mott:
 Estar tranquilo com sua própria homossexualidade; procurar assumir-se nos ambientes onde não correm riscos de discriminação; desenvolver sua consciência homossexual, adquirindo o máximo de informações sobre a cultura homossexual e como enfrentar a homofobia; selar alianças com simpatizantes e outras minorias discriminadas; ter a convicção de que nós é que estamos certos e que os homófobos terão de aceitar um dia que homossexualidade é tão saudável e legítima como a heterossexualidade.

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